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jigajoga

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07
Ago25

Novas Conversas com Coisos - Painel residente

Alface do Campo

(Post longo)

Maria da Castidade Perpétua, Licenciada em Educação das Bases, com Mestrado em Bases de Tachos.

Jovem na casa dos 20 e muitos/30 e poucos. Bonita, de estatura média, usa o cabelo comprido atado na nuca e veste normalmente túnica cinzenta e camisa branca, que lhe dão um ar de jovem freira à paisana. Em ocasiões informais costuma vestir calças de ganga e t-shirt cor de rosa.

É professora do primeiro ciclo numa aldeia minhota, Santa Donzélia dos Silvados, e já conseguiu que a escola fizesse um protocolo com a diocese para os alunos terem catequese nas Atividades Extra Curriculares, incluindo os dois alunos muçulmanos, que são demasiado bem educados para recusar, o miúdo nepalês, budista, que até acha graça e as três alunas ucranianas que são Ortodoxas, mas aproveitam para praticar o seu português.

É boazinha e compreensiva, e até é boa professora. Na sua sala de aula reina um bom ambiente, embora dois ou três dos alunos mais pequenos costumem adormecer durante a recitação das regras da gramática. Nunca faltou, a não ser uma vez em que ficou três dias de baixa com um ataque de urticária, quando um aluno desenhou um arco íris.

Em debate, é muito minuciosa, sendo capaz de discutir um pormenor durante muito tempo. A sua expressão preferida é ad aeternum, embora também diga muitas vezes "portanto". Abomina as pedagogias modernas e até tem uma pequena palmatória de madeira, pintada de cor de rosa, só para incutir nas crianças o amor pela disciplina, pois nunca a usou. O seu castigo mais comum é mandar o aluno prevaricador recitar o Pai Nosso em latim.

A sua família, os Perpétua, tornou-se conhecida há uns sete ou oito anos quando os pais proibiram o irmão mais novo de assistir às aulas de história durante a unidade didática sobre a Revolução Francesa, invocando objeção de consciência, e o caso ainda se arrasta pelos Tribunais, apesar de o rapaz já estar na Faculdade.

Porcínio Galinha, deputado analfabeto do Prontos! cuja principal intervenção parlamentar consiste em soltar traques e arrotos estrondosos quando fala um deputado de esquerda.

Porcínio tem uma aparência física infeliz. Lembra um javali que se tivesse submetido a uma depilação laser mal sucedida, num salão de beleza de vão de escada, vestido com um fato da secção de tamanhos grandes da C&A. Como, apesar de ter o pescoço largo, insiste em usar camisa e gravata, dá permanentemente a ideia de que está prestes a rebentar.

É de uma família de classe média originária da Beira, mas os pais vieram para Lisboa depois de casar. O pai era taxista e reformou-se quando o filho entrou como deputado na AR.

Em pequeno, no bairro onde cresceu, chamavam-lhe "o porco-em-pé", e ele refugiava-se, muito choroso, junto da mãe. Ainda frequentou a escola primária, mas como aos 12 anos não tinha passado da terceira classe e ainda não conseguia ler, os pais concordaram que era inútil o rapaz continuar os estudos e puseram-no como aprendiz numa padaria, de onde foi despedido aos 14 anos porque largava pêlos por toda a parte.

Juntou-se então a um grupo de forcados, mas em breve foi posto de parte, porque os colegas se queixavam de que era frequente ele soltar traques quando estavam todos em molhada na cabeça do toiro.

Apesar disso, acabou por conseguir trabalho como Relações Públicas numa ganadaria, e foi aí que despertou para a política.

Na Assembleia, tornou-se famoso não só por soltar gases e arrotos extremamente sonoros durante as intervenções de deputados dos outros partidos, como por comer alarvemente no Restaurante e reclamar dos preços. Tem geralmente um cigarro atrás de uma orelha e um palito atrás da outra e é frequente confundir os dois. Poucos se podem gabar de lhe ter ouvido dizer uma frase completa.

Barnabé Desgraça, advogado de divórcios de grande sucesso e secretário geral do novo partido Prontos!

Barnabé é um homem na casa dos 40. Bem parecido, cultiva um estilo desleixado chic, com barba de três dias cuidadosamente mantida,  tez bronzeada, fatos clássicos e camisa imaculada, mas gravatas de tons inesperados, como rosa salmão ou azul alfazema. Tem muito charme e serve-se disso a seu favor.

De origem modesta, chegou a frequentar o seminário onde adquiriu uma sólida formação clássica e manhas de padreca. Acabou por cursar Direito, onde se formou com altas classificações e uma tese de Mestrado sobre os Tribunais Plenários do Estado Novo, escrita propositadamente para impressionar um catedrático comunista, porque Barnabé é muito inteligente.

Trabalhou durante alguns anos num escritório de advogados especializado em divórcios e a sua "Magnum Opus" é um divórcio em que conseguiu provar que o marido, cirurgião plástico milionário, não tinha um único cêntimo e ainda obteve a condenação da mulher, enfermeira, a pagar-lhe uma pensão de alimentos. Costuma gabar-se disso entre amigos.

Fundou o Prontos! a meias com um amigo, publicitário, que, na primeira ocasião, fez expulsar por "ideias imorais", não sem antes se ter assegurado de que os slogans e planos de marketing do partido estavam bem feitos. Ao início, o Prontos! atacava sobretudo as políticas de esquerda mas, num golpe de sorte, Barnabé percebeu que atacar os imigrantes dava muito mais votos e agora invectiva constantemente "essa gentalha estrangeira que vem roubar os nossos empregos e violar as nossas filhas". A sua exclamação preferida é "Opróbrio!", que é repetida pelos seus adeptos menos cultos em variações muito divertidas.

Guilherme Riacho e Meio, Historiador e doutorado com uma tese sobre "Racismo Pretérito e Malevolência Esquerdalha".

Apesar de ter apenas 1,60m, está sempre em forma e frequenta diariamente o ginásio perto de casa, para estar "sempre preparado para a luta, quando a guerra cultural começar". Uma forte crise de infeção nas adenóides, em criança, deixou-o com uma voz um pouco nasalada. Os amigos chamam-lhe "o fanhoso", o que o deixa furioso, e os alunos (porque Guilherme já foi professor antes de se dedicar a tempo inteiro à investigação e à política) chamavam-lhe "o poguessemplo", grafia fonética da forma como a expressão "por exemplo" soa na voz dele.

Bisneto de uma mulher negra, tem um tom de pele fortemente bronzeado.

Guilherme tem opiniões polémicas e não se envergonha delas. Sustenta, entre outras coisas igualmente discutíveis, que com o final da Guerra Civil Americana e a abolição da escravatura no Brasil, o racismo terminou. É aliás esse um dos temas centrais da sua tese de doutoramento. No entanto, sempre que alguém discorda dele, o seu primeiro argumento de ataque é "será por causa da cor da minha pele que diz isso?" Considera também que as pessoas de esquerda são inerentemente maldosas e propensas ao deboche. Entre as suas expressões preferidas encontram-se "a esquerda radical sádica" ou "a política esquerdalha do chicote".

E extremamente chato em discussão, repisando o mesmo assunto até exaurir o adversário. Aliás, só conseguiu, até hoje, vencer debates por cansaço do interlocutor.

Tem muitos admiradores no novo partido Prontos!, a que ainda não aderiu porque quer, como ele diz "manter-se equidistante".

Alucinada da Pipoca Frita, senhora que se licenciou pelo Facebook e presidenta da Associação das Famílias em Crescimento Contínuo.

Alucinada tem este nome porque o funcionário do registo civil tinha almoçado muito bem, acompanhado com vários copos de vinho branco fresquinho e, ao tentar escrever "Alcinda", foi o que lhe saiu da inspirada caneta. Como já estava escrito, assim ficou...

A sua história de vida é curiosa. Desde pequena sempre teve um incrível talento para imitar tudo o que via fazer. Aos 8 anos, depois de ler A Bela Adormecida, começou a picar o dedo com um alfinete para adormecer mais depressa. Continuou a ter insónias, mas arranjou uma tal infeção no dedo, que a unha caiu e voltou a nascer com um feitio esquisito. Animada por este sucesso, aos 13 anos e meio, tendo visto numa telenovela uma jovem fugir com o namorado, convenceu um vizinho, dez anos mais velho, feio como a noite dos trovões e que já se tinha resignado a ficar solteiro, a fugir com ela. Quando foram apanhados, em Sanfins do Douro, pelos pais de Alucinada, gente muito conservadora, foram obrigados a casar. Tem sido um casamento feliz, até porque o marido tem um medo dela que se pela e faz tudo o que ela manda. Têm 5 filhos que saíram de casa o mais cedo possível para deixarem de estar sob as ordens da mãe.

Alucinada absorveu os valores conservadores da família, mas ao converter-se ao cristianismo evangélico, acrescentou-lhes um twist especial.

Há uns 5 ou 6 anos, Alucinada descobriu a internet e ficou viciada em vídeos sobre teorias da conspiração, que imediatamente integrou seu quadro mental, com um fervor religioso.

Apesar do seu aspeto de inofensiva senhora gorducha, de meia idade, cabelo grisalho e maquilhagem discreta, é torrencial a falar dos seus maiores interesses (A conspiração homossexual pedófila para dominar o mundo, Os democratas canibais dos Estados Unidos e A promoção do aborto por George Soros e Bill Clinton) com muitos gestos veementes, muito vocabulário brasileiro adquirido no YouTube e chuvas de perdigotos. Foi a criadora e é a atual Presidenta da Associação de Famílias em Crescimento Contínuo, cujo logotipo, uma casa com uma cabeça de mulher a sair por uma janela e o slogan "Cabe sempre mais um" foi desenhado por ela.

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