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jigajoga

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09
Mar23

Um mundo a que já não pertenço e cujos habitantes já não compreendo

Alface do Campo

Foi a sensação que me tomou hoje. Foi nisso que, a pouco e pouco, insidiosamente, a escola se transformou.

Hoje tinha um aluno de 10° ano a pintar a aguarela na aula de Português. Com o estendal completo, caixa de aguarelas, água, pincel e caderno (suponho que o Diário Gráfico que mantêm para a Disciplina de Desenho) em cima da mesa, completamente absorvido na tarefa. Durante a aula e enquanto eu lhes falava sobre Eça de Queiroz e Os Maias, cujo estudo vamos iniciar. Estava a mostrar-lhes coisas, fragmentos de escrita, fotografias. Ralhei com o moço mas ele retorquiu que não era nada demais porque até estava a ouvir o que eu dizia.

Quando me queixei ao Diretor de Turma deste comportamento, para mim inaceitável, este disse-me que sou eu que tenho de definir melhor as regras na minha aula, pois na dele (Filosofia) não se importa que os alunos estejam a pintar, uma vez que são alunos de Artes...

A escola, para onde durante os últimos 38 anos sempre fui com prazer, parece-me pela primeira vez um mundo estranho a que não pertenço e cujos habitantes já não compreendo. Não sei como vou aguentar os 4 anos que faltam para me reformar.

13
Fev23

O que falta na educação? - Capítulo I - Vamos falar do conforto

Alface do Campo

Ó meu deus! Falta tanta coisa...! Nem sei por onde começar.

ESCOLA.jpg 

Imagem meramente ilustrativa, tirada da net

Primeiro que tudo, falta conforto nas escolas. Quem trabalha em escritórios com ar condicionado nem imagina como são a maioria das salas de aula. Posso dar o exemplo da «minha» escola: o corpo principal do edifício é orientado Norte-Sul, e tanto a parede Norte como a parede Sul são de janelas que, ainda por cima, não fecham lá muito bem. De Inverno, as salas do lado Norte são geladas e inóspitas (tive uma turma que lhes chamava «a zona dos iogurtes») durante todo o dia.  Quanto às salas do lado Sul, basta que esteja sol para ficarem demasiado quentes, mas a partir de Abril são uns fornos onde às vezes mal se consegue respirar.

Quando chove, há goteiras nos corredores, com baldes ou cartões por debaixo para aparar a água. A «sala dos alunos» estava, na planta, numa fase que nunca chegou a ser construída e, portanto, os perto de 1100 alunos têm, para os dias de chuva, um vestíbulo exíguo onde não cabe nem metade deles.

Há uma nascente, aquilo a que aqui se chama vulgarmente um «olho d'água» por debaixo do palco do auditório - deixo à imaginação de quem me lê a temperatura do auditório no Inverno e os estado da zona sobo o palco quando chove um bocado mais. E claro que não houve a ideia de aproveitar aquela fonte, que nunca secou até hoje, para as casas de banho e para rega dos espaços exteriores: a escola paga exorbitâncias à distribuidora de água, enquanto tem de ter uma bomba a funcionar 24h por dia para deitar fora a água que nasce constantemente no «olho d'água».

Já tive turmas com miúdos embrulhados em cobertores, a trazerem de casa termoventiladores ou sacos de água quente elétricos para aguentarem o frio das salas onde tem de passar os dias. Já tive turmas, no final do 3º período, quando o calor é maior, incapazes de fazer seja o que for nas salas mais quentes da escola.

E a «minha» escola é um edifício relativamente novo e em relativo bom estado. Sei que há muito, mas mesmo muito pior.

Bem sei que com os professores ninguém se preocupa. Mas os miúdos são a maioria dos «utentes» das escolas. Sempre estranhei que nem a tutela, sempre tão preocupada com o interesse dos alunos, nem as Confaps da vida se preocupassem com a falta, não apenas de conforto, mas muitas vezes das mais básicas condições do espaço físico onde as crianças passam a maior parte dos dias. Ninguém trabalha bem se estiver permanentemente desconfortável!

07
Fev22

Dois anos de pandemia. O que vejo à minha volta?

Alface do Campo

Em breve terão passado dois anos desde o início dos confinamentos e das restrições. Uma parte de cada um de nós está farta, mas a outra parte  já integrou no seu quotidiano e habituou-se. É bem verdade que nos habituamos a tudo.

Não posso generalizar, só posso falar do que vou vendo no meu cantinho do mundo. A maioria das pessoas é responsável e cuidadosa. Continuam a usar máscara em ambiente fechado e na rua se houver muita gente. Sim, usar máscara é um acto de cortesia, de preocupação pelo outro. Tenho pena daqueles que estão tão autocentrados que são incapazes desse simples gesto, convencidos de que mais importante do que a preocupação com o seu semelhante é a sua liberdade, esquecidos de que esta tem como limite a liberdade do outro.

As pessoas respeitam o distanciamento - embora lhes custe - e inventaram maneiras criativas de se cumprimentar. Porque se preocupam. Porque querem que isto acabe, estão quase todas a dar o seu melhor. Quando me cruzo com os vizinhos e vamos de máscara, sorrimos com olhos, e cumprimentamo-nos: “Cá vamos andando, não é? Tomara já que isto passe...!”, “Veja lá que já estou tão habituada à máscara que às vezes até me esqueço de a tirar!”

Os miúdos na escola têm sido impecáveis, embora para eles isto seja ainda mais difícil. Dão a volta por cima, testam-se antes de se juntarem, se alguém testa positivo fica em casa e participa na festa ou no passeio pelo telemóvel.

Claro que isto é no meu cantinho do mundo. Se calhar, em ambientes urbanos é diferente. Mas a minha filha que vai para Lisboa com frequência, e em transportes públicos, faz relatos parecidos. Há uma boa dose de conforto em perceber que as pessoas, na sua maioria, estão a ser civilizadas e sensatas.

Sim, tenho mesmo pena das pessoas (poucas, é verdade, mas muito barulhentas) que se acham tão especiais que nada disto se lhes aplica. Não querem usar máscara porque “liberdade”. Não se vacinam porque “big pharma”. Não respeitam distanciamento porque “não me prives do teu abraço“. E, sobretudo, não querem qualquer restrição porque a “sua” liberdade é tão pessoal e intransmissível que se borrifa para os outros e se lhes pedem que se testem, aqui d’el-rei que é outro Holocausto (que falta de respeito e de noção, senhores!). Escolheram viver num mundo infestado de dragões e ainda não perceberam que os dragões são elas.

12
Jan22

As mariposas da argumentação

Alface do Campo

Tive, no Twitter, uma desconversa que, apesar de breve, me moeu a cabeça. Partiu de uma acusação de que alguém defenderia que ganhássemos todos o mesmo, independentemente da responsabilidade associada a cada profissão, o que, no dizer do acusador, equivaleria a miséria para todos.

O argumento de base (a responsabilidade) já é bizantino que chegue. A responsabilidade associada a cada actividade profissional é uma questão bastante subjectiva. Um futebolista de primeira água tem mais responsabilidade do que um cirurgião? Uma empregada de limpeza tem menos responsabilidade do que um gestor? É que o mundo precisa mais de cirurgiões do que de futebolistas e é mais imediatamente útil uma empregada de limpeza do que um gestor, mas um futebolista superstar ganha mais num mês do que um cirurgião em dez anos e um gestor, se for daqueles bem pagos, ganha mais num ano em bónus do que uma empregada de limpeza durante toda a vida. E foi isto que respondi.

A resposta foi que, se todos ganhassem o mesmo, não haveria incentivo para fazer um trabalho bem feito, o que é um argumento curioso (e parvo) além de que o inicial argumento da “responsabilidade” já foi com os porcos. Se regressarmos à empregada de limpeza versus o gestor, e se o valor do salário está diretamente ligado à perfeição do trabalho feito, então as empregadas de limpeza devem trabalhar todas mal, porque ganham uma merda, e os gestores devem ser epítome da perfeição laboral divina, porque são regiamente pagos.

O contra argumento foi que (além de eu ser comunista, que nem sei a que propósito veio) uma boa empregada de limpeza ganha mais do que uma má empregada de limpeza e um mau gestor menos do que um bom gestor. Isto, claro, para além de ter logo descartado o argumento do “diferencial do salário como incentivo ao bom desempenho da profissão”, continua a não responder à questão de fundo: o pior dos gestores ganha muito mais do que a melhor empregada de limpeza. A este saltitar de linha de argumentação em linha de argumentação eu chamo desconversar e desisti.

Aqui, na minha casota, completo o raciocínio que se ia perdendo na desconversa: não vejo grande problema em ganharmos todos o mesmo ou em as diferenças salariais serem mínimas desde que toda a gente ganhe o suficiente para viver de forma digna e haja uma rede social universal que nos garanta proteção contra as más surpresas da vida. Dormiria bem mais descansada se o mundo assim fosse. O que me tira o sono é saber que há muitos milhões de pessoas em todo o mundo que trabalham a tempo inteiro, às vezes até em mais do que um emprego, e não conseguem pagar a comida e a casa. Isso é que é chocante.

05
Nov21

Não ter vergonha na cara é isto

Alface do Campo

Acabo de receber no meu e-mail institucional, reencaminhado pela Direção da Escola, uma mensagem a anunciar uma Acção de Formação (a pagantes) tendo como tema o «burnout» na classe docente. 

O arrazoado termina assim (sic, incluindo a vírgula entre sujeito e predicado, destaque meu):

O burnout aparece como uma das principais causas de desmotivação profissional, do absentismo, e de abandono da profissão.

Esta ação de formação, visa sensibilizar a classe para o risco dos efeitos do stress associado à docência, propondo o treino de competências para a prevenção e intervenção que salvaguarde e devolva o bem-estar e qualidade de vida aos professores na escola.

 

Os objetivos da mesma são os seguintes:

  1. Conhecer o conceito de Burnout
  2. Saber identificar os fatores desencadeantes do Burnout
  3. Saber identificar as fases da instalação da exaustão
  4. Saber identificar os sintomas do Burnout
  5. Conhecer os instrumentos de avaliação do Burnout e stress
  6. Conhecer as diferentes estratégias de prevenção e intervenção no Burnout
  7. Elaborar um Plano Individual de Prevenção de Burnout

 

Ou seja, andamos cansados, esgotados pelo excesso de trabalho, muito dele burocrático, redundante, imbecilizante e inútil, mas a culpa é nossa, que ainda não elaborámos um plano individual de prevenção de burnout, por falta das competências necessárias.

 

19
Jul21

O pior da pandemia

Alface do Campo

...é a solidão. Perdemos aqueles intervalos na sala de professores, aqueles “furos” em que até tínhamos trabalho para fazer mas acabávamos por ficar por ali na palheta com as amigas.

Este ano, andámos sempre a correr para não chegar atrasadas naqueles intervalos de 5 minutos que mal davam para mudar de sala e se queríamos um café ☕️ era certo que já chegávamos tarde à sala. Houve gente que quase não vi este ano. 

03
Mar21

Ando a precisar de mudar de óculos

Alface do Campo

Hoje, no Blasfémias (sem link) Telmo Azevedo Fernandes “prova” que os funcionários públicos não pagam IRS. É uma das mais velhas falácias usadas na permanente caça aberta ao funcionário público que existe provavelmente desde que existe funcionalismo público. Curiosamente, é sobretudo querida é usada pelos mesmos que, noutras batidas da mesma caça, atiram com os salários brutos para “provar” as fortunas obscenas que os funcionários públicos auferem.

Tudo isto já foi exaustivamente desmontado dezenas de vezes, mas os TAF desta vida não desistem de, eles que tanto acusam de inveja qualquer alma à esquerda do CDS (paz à sua alma), acicatar a inveja dos desprevenidos que os lêem e só se lembram de que os funcionários públicos não podem ser facilmente despedidos, em vez de se lembrarem que funcionários públicos são sobretudo os que tiram das ruas o lixo que eles fazem, os que os tratam quando estão doentes, os que lhes ensinam (e muitas vezes educam) os filhos, os que limpam as ruas por onde passam e cuidam dos parques e jardins onde passeiam... ou seja, se amanhã acordassem e todos os funcionários públicos tivessem desaparecido, haviam de lhes dar pela falta. Já pela falta dos TAF...

04
Jan21

Ditosa pátria que tais filhos tem

Alface do Campo

Os que escrevem estes dislates e neles refocilam com tanta satisfação:

"começamos o ano com a campanha eleitoral mais inconsequente de sempre para o cargo mais estético de sempre no país mais palerminha de sempre."

(do Blasfémias, sem link)

Porque estas almas iluminadas das duas, uma: ou se subtraem à palermice geral e então não se percebe por que razão é que ainda não empreenderam a salvação nacional ou o que estão ainda a fazer neste coio de palermas com tanto país a abarrotar de inteligência que por esse mundo há, ou estão a reconhecer a sua mediocridade que apenas lhes permite reconhecer a palermice geral e os deixa incapazes de mais do que estes ocasionais arrotos da posta de pescada habitual. 

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