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Habituava-me na boa a esta nova realidade de ter tempo para fazer as coisas ao meu ritmo. É o único lado bom desta coisa, a capacidade de gerir o meu dia de trabalho como melhor me parece.
Acordar sem sobressalto, porque apesar de o despertador continuar a tocar, passei a hora de acordar das 6:45 para as 8:00; poder ficar mais cinco minutos a acabar de acordar, fazer a toilete nas calmas, beber o meu café com leite e comer a minha sanduiche ou as minhas bolachinhas (ou o meu Donut) sentada, em paz e sossego e depois abrir a agenda e ver o dia que me espera. Há dias mais carregados, como a segunda feira, em que a moça mais nova tem a sua sessão de psicologia ocupacional logo pela manhã, em que o plano semanal de trabalho da minha direção de turma tem de ficar pronto e em que impus a mim mesma não me deitar sem ter os mails que devo mandar a alunos e encarregados de educação com as correções do trabalho feito e as tarefas para a semana ou quinzena seguinte já escritos, verificados, com os competentes anexos e pré-agendados para seguirem viagem bem cedo na manhã seguinte. Há dias mais aventurosos, como a sexta feira, em que tenho sessão síncrona de esclarecimento de dúvidas com os meus mafarricos do 8º ano e nunca sei quem vai estar nem quais as dúvidas que me vão colocar, ou se não é desta que o microfone vai tomar o freio nos dentes ou a internet vai cair misteriosamente. E há dias de relax puro, como a quarta feira em que já despachei a correção dos trabalhos da semana anterior, já tenho os da semana seguinte alinhavados, e posso dar a mim mesma um dia sem stress.
Atenção, que isto não é o paraíso. Tenho tantas saudades dos miúdos, das colegas, dos intervalos no bar da escola, a tomar um café ou a comer um iogurte numa pressa antes da próxima aula, de ir ao cinema com as filhas, de passear a ver montras, de almoçar com as amigas...! Tenho tantas saudades dos almoços de família aos sábados, de ver a minha mãe e a minha tia, que estão apenas a duas dezenas de quilómetros mas que não vejo há quase dois meses, como não vejo os meus irmãos, as cunhadas, a sobrinha caçula... Isto custa, sim, isto tem um lado menos bom. E não subestimo as dificuldades por que sem dúvida estarão a passar as pessoas que perderam o emprego ou a sua fonte de rendimento, os pequenos negociantes, as lojinhas de bairro - aliás, assim que o meu café do costume reabrir, tenciono ir lá todos os dias tomar o pequeno almoço, mesmo que isso implique levantar mais cedo. Não igonoro o medo e o sofrimento das famílias que têm gente doente, dos avós privados da companhia dos netos. Mas, sendo optimista e vendo as coisas pelo seu lado melhor, ter tempo é um luxo. A vida que levávamos tinha feito essa maldade de transformar o tempo num luxo a que a maioria de nós não se podia permitir. Agora podemos. Perdemos muitas coisas, uns mais, outros menos, mas todos perdemos qualquer coisa. É verdade. Mas ganhámos tempo.